Madre de Dios - Fronteira Brasil-Peru

Consultor(es): Antropologo Luis Felipe Torres Espinoza
Colaborador(a): Fernando Mendieta Herrada
2022

ALCANCE GEOGRÁFICO E TERRITÓRIOS INDÍGENAS

Região de difícil acesso abrange diferentes etnias

A região localiza-se entre a Terra Indígena Mamoadate, no estado brasileiro do Acre e a Reserva Territorial Madre de Dios, no Departamento Madre de Dios, no Peru. Ali se encontra o corredor transfronteiriço para os povos indígenas reconhecidos como os Yine, Manchineri e Mashco Piro.

Os Yine estão localizados em comunidades nativas dos rios Piedras e Tahuamanu e os Manchineri nas aldeias da Terra Indígena Mamoadate. Já os povos chamados Mashco Piro, atualmente reconhecidos como em situação de ‘isolamento’, deslocam-se por estes territórios e fronteiras nacionais até os limites das aldeias Manchineri no Brasil e as comunidades Yine no Peru.

Desta maneira, os territórios dos Yine e Manchineri são circundantes aos Mashco Piro e suas populações têm vários tipos de interações com os Mascho Piro. As comunidades que mantêm maior grau de relacionamento com o grupo indígena em isolamento são: Nueva Oceanía (Rio Tahuamanu), Monte Salvado (Rio Las Piedras), Puerto Nuevo (Rio Las Piedras), Santa Alicia (Rio Las Piedras) e Aldea Extrema (Rio Yaco). No caso das comunidades e aldeias que fazem parte específica do diagnóstico, as informações foram coletadas em campo e atualizadas até novembro de 2021. O número de pessoas que viviam nessas localidades era de 535 pessoas.

Quadro 1: Terras e Povos Indígenos do Peru

Quadro 2: Terras e povos indígenas no Brasil (Acre)

Terra Indígena
Povo indígena
Município
Família Linguística

MAPA INTERATIVO

Observe no mapa interativo do Módulo Povos Indígenas, onde se localizam os territórios indígenas na região amazônica e observe as regiões fronteiriças estudadas pelos consultores da OTCA:

POVOS ISOLADOS

Falta proteção e há ameaças à saúde e à vida

Além dos povos assentados em comunidades e aldeias nativas, na região transfronteiriça mais ampla de Madre de Dios e Acre existem diversos povos/grupos em isolamento e contato inicial, ocupando principalmente as cabeceiras dos rios. O governo brasileiro reconhece, por exemplo, diferentes grupos isolados como os Mashko do Rio Iaco, os Mashko do Rio Chandless e alguns grupos Pano em contato inicial ou em isolamento no Rio Envira, enquanto no Peru os Mashco Piro são considerados como parte de um único povo independente de sua referência geográfica.

Nos territórios fronteiriços onde vivem os PIACI , diferentes ameaças põem em risco a saúde e vida dessas populações tendo em vista sua especial vulnerabilidade social e epidemiológica.

As ameaças de invasão de seus territórios por atividades econômicas ilegais de extração de madeira, mineração e tráfico de drogas são as mais graves. Contudo, as atividades legais (como a extração de madeira em concessões sobrepostas à expansão da Reserva de Madre de Dios) também podem afetar o território como espaço de subsistência desses povos e promover contato físico com populações isoladas, desencadeando episódios violentos ou transmissão de doenças.

CONTEXTO ANTROPOLÓGICO

Primeiros registros datam do século XVII

O povo indígena Yine é reconhecido pelo governo do Peru como um dos 51 povos indígenas da Amazônia peruana. Além da região do estudo, na Reserva Natural Madre de Dios, eles estão distribuídos em outras comunidades nativas da região de Madre de Dios, e também em Cusco, Ucayali e Loreto. A língua Yine pertence à família Arawak.

Os primeiros registros de encontro com os Yine datam do século XVII quando missionários franciscanos se estabeleceram na região, contudo, a primeira missão entre esse povo só foi fundada no final do século XVIII. Outro momento de instensa troca interétnica na região, foi no período que se instalou a atividade de extração de borracha na Amazônia, de 1880 a 1918 (aproximadamente). Nessa época, foi os Yine, então conhecidos como Piro, quem guiava e estabelecia rotas entre os rios para que os seringueiros pudessem incluir a região de Madre de Dios no negócio da borracha. Após a queda da atividade na região, muitos indígenas eram vendidos como mão de obra local para outras atividades econômicas que surgiram na área, como agricultura extensa, pecuária, corte e colheita. A partir de 1920, a maior parte dos Yine trabalha (passou a trabalhar?) em latifúndios.

Foi somente por volta de 1940 que missionários americanos se instalaram na região e promoveram o abandono dos indígenas das fazendas para se agruparem em comunidades ao redor das escolas.

Os Manchineri, assim como os Yine, falam uma língua Arawak e compartilham de cosmologias e história comuns. No Brasil, a maioria dos Manchineri habita a Terra Indígena Mamoadate e antigos seringais. A TI Mamoadate está localizada na bacia do rio Purus, entre os rios Iaco e Curanja. São conhecidos por suas roupas tecidas de algodão (cushma para homens e duas peças para mulheres), pelos seus rituais xamânicos e uso do ayahuasca.

Já os Mascho Piro é a designação dada a um numeroso grupo indígena que se desloca entre os departamentos de Madre de Dios e Ucayali, no Peru, cruzando os limites da fronteira com o estado do Acre, no Brasil. Dada esta conexão da língua falada pelos Mashco Piro com a língua dos Yine e Manchineri, eles são reconhecidos também como pertencentes à família linguística Arawak. Os Mashco Piro caracterizam-se por manter mobilidade constante em grandes áreas, principalmente dedicando-se à caça e à coleta.

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO

Infecções respiratórias, infecto-contagiosas, hipertensão e diabetes

As principais morbidades tanto na Reserva Madre de Dios quanto na TI Mamoadate são as Infecções Respiratórias Agudas, que são prevalentes em toda a população, mas principalmente em crianças menores de 5 anos. Da mesma forma, embora em menor escala, as doenças diarréicas desempenham um papel importante nos registros de saúde da região. Outras morbidades de especial importância para os sistemas de saúde da região são Hepatite B, Dengue, Malária, Leishmaniose, Tuberculose.

Do lado das doenças não transmissíveis, temos uma presença notável de hipertensão e diabetes tanto no lado peruano quanto no brasileiro, que são doenças de grande importância por serem comorbidades diretas ao COVID-19.

SISTEMAS DE SAÚDE

Diferentes modelos e responsabilidades

Os governos do Peru e do Brasil estabelecem diferentes modelos de atenção às populações indígenas. No Peru, a política de atenção à saúde dos povos indígenas encontra-se dentro do Ministério da Saúde enquanto o cuidado é de responsabilidade dos governos regionais. No caso do Brasil, a política de saúde para os povos indígenas é coordenada pelo nível central, Ministério da Saúde que possui unidades descentralizadas, os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), nos territórios indígenas brasileiros.

Na localidade de estudo, no território peruano, o primeiro nível de atenção à saúde está organizado em uma rede de serviços que inclui 02 tipos de oferta: a oferta fixa e a oferta móvel; este último inclui várias opções, como hospitais itinerantes e equipes volantes. Existem postos de saúde na Reserva Natural Madre de Dios – Monte Salvado e anexo – que contam apenas com técnicos de enfermagem e pertencem à Microrede Sanitária Planchón. Em casos mais graves, os pacientes são encaminhados ao Hospital Santa Rosa de Puerto Maldonado. Além de não ter pessoal suficiente, também não tem logística (nem barco nem combustível) para se deslocar entre as comunidades. Contudo, recentemente, o Posto de Monte Salvado foi dotado de equipamentos para a realização de Telessaúde.

No caso do Brasil, a Aldea Extrema, na TI Mamoadate, não dispõe de unidade de saúde na localidade. Logo, os pacientes são encaminhados para o posto de saúde da aldeia Jatobá (TI Mamoadate) ou para o município de Assis Brasil (Unidade Mista). Assis Brasil.

COVID-19

Apesar da alta taxa de contaminação, região não registrou óbito

Até junho de 2021, mais de 90% da população de Monte Salvado foi infectada com COVID-19. Da mesma forma, nas cidades de Puerto Nuevo, Santa Alicia e Nueva Oceanía, a população apresentou sintomas de COVID-19 generalizados. Porém, não houve casos fatais em nenhuma das comunidades. No caso da população Manchineri do Acre, também foram reportados sintomas generalizados de COVID-19 na população, mas não houve registo de mortalidade na aldeia.

As comunidades de Monte Salvado e Santa Alicia têm uma boa cobertura vacinal (90%), enquanto em Puerto Nuevo e Nueva Oceanía não atingiram a maioria da população (50%) devido à resistência de certas pessoas em receber as vacinas por questões religiosas ou medos de vários tipos, principalmente baseados em informações falsas da internet. Na TI Mamoadate e especificamente na Aldeia Extrema, a maioria da população já foi vacinada com as 2 doses da vacina. Como no caso do Peru, no entanto, informações falsas sobre vacinas influenciaram um grupo de pessoas a rejeitar a vacinação.

Importante ressaltar que as federações e associações indígenas no Peru e no Brasil deram uma contribuição extremamente importante para garantir o atendimento à saúde oportuno aos povos indígenas no contexto da pandemia de COVID-19.

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