Fronteira - Brasil-Guiana-Suriname

Consultor(es): Fabio Tozzi
Colaborador(a): Roberta Cerri
2022

A área estudada abrange, no Brasil, as bacias dos rios Mapuera, Trombetas, Jatapu e Paru de Oeste, localizadas no extremo leste do estado de Roraima e noroeste e o Norte do Pará.

Toda a extensão da fronteira brasileira nessa região é coberta de floresta, seja por áreas de conservação ou Terras Indígenas. Na Guiana, a área abrange sua porção sul nas bacias dos rios Essequibo e New River, também fronteira com Suriname e onde há um território indígena formalmente reconhecido pelo Estado, o Kanashen Community Owned Conservation. O acesso ao território indígena é terrestre. No Suriname, a área está inserida no grande distrito de Sipaliwini, que abrange toda a região sul do país.

A fronteira Brasil / Suriname é uma área de ocupação tradicional do povo Tiriyó, no lado brasileiro, suas comunidades estão localizadas no Parque Tumucumaque e no Suriname, na Reserva Ambiental Sipaliwini. O acesso à região é feito majoritariamente por via aérea. Contudo, há comunidades na fronteira que são acessadas pelos indígenas de um país a outro por via fluvial e terrestre.

MAPA INTERATIVO

Observe no mapa interativo do Módulo Povos Indígenas, onde se localizam os territórios indígenas na região amazônica e observe as regiões fronteiriças estudadas pelos consultores da OTCA:

TERRITORIALIDADE INDÍGENA

Povo Indígena
Território
Bacia Hidrográfica
Cidade Referência

CONTEXTO ANTROPOLÓGICO

Povos Caribes e caminhos de interconexão

A região da tríplice fronteira Brasil/Guiana/Suriname é tradicionalmente povoada pelos Tiriyó, Katxuyana, Kahyana, Waiwai e Tunayana, falantes de línguas e dialetos da família Caribe; e o povo Zo’é, falante de língua da família Tupi. Os Tiriyó (fronteira Pará/Brasil com Suriname) e Waiwai (fronteira Roraima/Brasil) mantêm trânsitos frequentes e intercâmbios contínuos de famílias e indivíduos indígenas através das fronteiras dos três países, por isso, os caracterizamos como transfronteiriços.

A Terra Indígena Zo’é está inserida em zona fronteiriça e teve sua inclusão motivada pelo fato do povo Zo’é ser considerado como de Recente Contato pelo Estado brasileiro. Ademais, a região possui referências não confirmadas de povos indígenas em situação de isolamento, ainda não identificados.

Os povos indígenas da região estão envolvidos em uma antiga e extensa rede de intercâmbios baseada em vínculos linguísticos, de parentesco, rituais, políticos, econômicos e territoriais. Com exceção dos Zo’é e dos indígenas isolados, os demais povos incluídos na área do estudo viveram processos semelhantes de colonização, sofreram processos de depopulação severa decorrentes do alastramento de epidemias nos séculos XIX e XX, e foram aglomerados em grandes aldeias missionárias, católica e protestantes, na segunda metade do século XX. Nas últimas décadas, eles estão protagonizando processos de redispersão territorial no Brasil, ocupando novamente lugares de habitação antigos dos quais haviam sido removidos por atuação estatal e das missões religiosas.

Essas aldeias são interconectadas por caminhos terrestres e fluviais, periodicamente percorridos pelas pessoas ao longo de viagens para trocas, encontros de parentes, deslocamentos para as cidades, tratamentos de saúde, festas e outros. Antes da chegada dos missionários em sua região, os Tiriyós eram diferenciados em vários grupos caribe e mantinham intensas rede de troca e comércio, fluxos migratórios e episódios de guerra entre si. Com a chegada dos missionários franciscanos, do lado brasileiro, e dos protestantes, do lado surinamês, todos esses grupos foram englobados pelo nome Tiriyó, no Brasil, e Trio, no Suriname.

PROCESSOS SOCIOECONÔMICOS

Mineração: da indústria ao garimpo

No lado brasileiro, a região concentra ́dois empreendimentos industriais de grande porte na região: a mineração de bauxita (Mineração Rio do Norte – MRN) em Oriximiná e a indústria de madeira e celulose (Grupo Orsa) em Almeirim. Nos demais municípios, predomina o setor de serviços com maior participação do setor público municipal (ênfase no pagamento de funcionários públicos e custeio da saúde e educação) e comércio. Há uma tendência para exploração de minério na região demonstrado pelos vários projetos de solicitação de mineração, inclusive em terras indígenas.

A exploração madeireira e o turismo não sustentável constituem pressões que podem desencadear eventos não desejáveis na saúde da população indígena. Além disso, há previsão de instalação de empreendimentos governamentais nos municípios de Oriximiná e Óbidos, que afetariam diretamente os territórios indígenas: a construção de uma rodovia cortando a floresta amazônica e ligando o Brasil ao Suriname e a construção de uma usina hidrelétrica no alto curso do rio Trombetas. Outro grande empreendimento previsto para a região é a Exploração de bauxita na bacia do rio Curuá/Cuminapanema pela Rio Tinto Desenvolvimentos Minerais Ltda.

Na região amazônica do Suriname e Guiana, a indústria extrativista de minério também é a principal atividade econômica. No caso da Guiana, principalmente o ouro, o diamante e a bauxita. Já o Suriname, além da exploração mineral de ouro e bauxita, também explora petróleo em seu território. Pelo fato de a mineração ocupar um papel central na economia destes países, o impacto dos garimpos é um importante determinante na saúde dos povos indígenas da região, seja pelas consequências da possível presença de mercúrio nos rios ou pela transmissão da malária.

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E ASSISTÊNCIA

Realidades distintas de situação de saúde

Os contextos de saúde dentro e entre países são distintos e heterogêneos, mesmo no Brasil onde há um sistema de saúde comum. No âmbito do Parque indígena do Tumucumaque existe um sistema de saúde institucionalizado vinculado ao Ministério da Saúde (Polo Missão Tiriyó – DSEI Amapá e Norte do Pará) presente no território. Porém, a localização remota da TI, bem como a dispersão territorial de sua população traz dificuldades quanto ao acesso da população e a resolutividade do sistema.

Tomando como base os dados de morbidade da população residente no Parque Indígena do Tumucumaque os números de infecções, em especial, respiratórias são bastante elevados. Considerando a maior susceptibilidade às doenças respiratórias e a dificuldade de acesso ao território, considera-se a comunidade indígena local em situação de vulnerabilidade em relação a epidemias de doenças infecciosas.

Já os Zo’É, em outra Terra Indígena possui equipe de saúde lotada na UBSI da aldeia Cuminapanema empenhada não apenas na assistência, mas na vigilância epidemiológica. Isto quer dizer que seus serviços respondem à necessidade de saúde local. O desfecho desta prática se efetiva nos resultados de morbimortalidade, ou seja, doenças e óbitos estão controlados. A assistência na localidade, preza pela resolutividade das ações em área por meio de articulações com outras instituições e pelo treinamento da equipe que, por conhecer bem o perfil de saúde local, são mais assertivos nas intervenções.

SISTEMAS DE SAÚDE

Serviços de Saúde para população indígena

Particularidades dos Serviços de Saúde
Brasil
Guiana
Suriname

Políticas públicas e tipos de governo

Em relação aos outros países fronteiriços, enquanto o Brasil possui um serviço de saúde específico para população indígena, na Guiana, por exemplo, os sistemas de atenção são todos municipalizados, dando conta de toda população local e seguindo a lógica da participação social por meio de comitês e conselhos populares integrados por representantes indígenas. Na prática, os profissionais de saúde da atenção básica são compostos por técnicos de nível médio, os Medex, enquanto no Brasil, a equipe de saúde indígena é integrada por profissionais multidisciplinares de nível superior.

Já no Suriname, com sistema de governo centralizado, a atenção básica é delegada a uma ONG, a Medical Mission, que possui certa autonomia no planejamento e execução das ações, ficando o Ministério da Saúde responsável pela vigilância epidemiológica, como é o caso do Programa de Malária. Uma característica comum nos três países é a baixa oferta de médicos nos serviços de atenção primária, diante disso, a Medical Mission costuma promover jornadas médicas – concentração de serviços médicos no local por um tempo curto – nos territórios indígenas da Amazônia.

COVID-19

A região apresentou alto índice de mortalidade quando comparados com outros países no mundo e heterogeneidade quanto à cobertura vacinal, sendo o Brasil com a maior cobertura, em especial os povos indígenas. Os problemas observados na região levaram à elaboração das seguintes recomendações:

Manutenção e reforço da campanha de vacinação;

Campanhas contra notícias falsas e informação dos benefícios da vacinação;

Programas de educação e capacitação aos profissionais de saúde que atuam em área indígena;

Fortalecimento e aprimoramento da rede de assistência;

Incentivo à estruturação de unidades de saúde nas aldeias, com possibilidade de resolução de casos de baixa e média complexidade;

Estabelecimento de rotas e meios de remoção baseados em critérios contidos em um plano de contingência – incluindo referências e contra referências.

Estabelecimento sistema de informação e monitoramento os casos COVID-19 positivos e de síndrome gripal próprios para população indígena.

Participação dos povos indígenas na manutenção contínua das medidas fortalecimento contra a COVID-19 com protagonismo das organizações indígenas locais.

Estabelecimento de diálogo entre diferentes níveis de governo;

Construção de agendas de reuniões entre os Países Membros;

Formação de grupos de trabalho com equipes de referências nos países para participar na elaboração e operacionalização dos planos de contingência

Restruturação dos planos de contingência existentes que contenham características transfronteiriças e que possuam componentes específicos para as áreas de registro de Povos indígenas isolados identificando áreas de barreira sanitário.

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